Antes de ingressar com Ação Civil Pública, Defensoria buscou solução prévia por vias administrativas junto à Secretaria Estadual de Segurança Pública, porém sem sucesso
De modo a impedir a manutenção do estado degradante com que pessoas são mantidas presas na carceragem da Delegacia de Polícia – DEPOL de Jequié, a Defensoria Pública do Estado da Bahia ingressou nesta sexta-feira, 23, com Ação Civil Pública – ACP em caráter de urgência para que o local seja imediatamente interditado e os custodiados ali presentes transferidos.
Na ACP, a Defensoria aponta que o Estado da Bahia vem sendo omisso com relação a sua responsabilidade de assegurar aos presos daquela carceragem os direitos básicos mais fundamentais, entre os quais o direito à dignidade humana. Antes de ingressar com a ACP, o Comitê de Gestão de Crise da Defensoria (durante a pandemia do coronavírus) buscou uma reunião com a Secretaria Estadual de Segurança Pública para tentar solucionar o problema por vias administrativas, porém sem sucesso.
“A demanda nos chegou da própria Delegacia de Polícia relatando uma série de problemas, problemas que já haviam sido relatados tanto para o judiciário, como para o Ministério Público. Fizemos uma inspeção e identificamos inúmeras situações de descaso”, comentou o defensor público Henrique Alves da Silva, que elaborou a ACP.
Tanto a Defensoria Pública como o Departamento de Vigilância Sanitária do Município, após solicitação da Defensoria, realizaram visita de inspeção ao local e seus relatórios apontaram que o ambiente é absolutamente inadequado, insalubre e coloca em risco a vida dos presos e mesmo dos policiais e agentes que trabalham no local.
O ambiente da cela
De acordo com estes relatórios, citados e anexados à ACP, a carceragem não possui estrutura mínima para manutenção dos presos, existindo apenas uma cela, sem nenhuma divisão para separar presos por gêneros diferentes, bem como jovens em conflito com a lei. Aponta ainda que o espaço sequer possui acesso a um banheiro, tendo os presos que urinar e defecar em uma garrafa “pet”.
Além disso, a cela é escura, sem iluminação natural ou artificial adequada, úmida, sem ventilação, e com a sensação de temperatura extremamente alta. Também não existe chuveiro e a latrina dentro da cela frequentemente fica sem água, gerando odor insuportável. A água que os presos bebem é do mesmo cano que utilizam para asseio e os presos não estão recebendo banho de sol em nenhum momento.
De acordo com o relatório da Vigilância Sanitária, o espaço favorece também a “proliferação de agentes patógenos [infecciosos] que podem ocasionar adoecimento pulmonar, reações alérgicas, doença de pele e doenças virais como o novo coronavírus, dentre outras enfermidades, bem como adoecimento mental em virtude da ambiência degradante”.
A ACP aponta também que qualquer medida de saúde é impossível de ser respeitada no ambiente totalmente inabitável que é a carceragem da DEPOL de Jequié. Um preso já foi encontrado morto e outro picado por um escorpião.
Situação antiga
O texto da ACP aponta ainda que a situação insustentável do espaço já é de conhecimento notório dos órgãos públicos responsáveis, sem que nenhuma medida efetiva para sanar os problemas tenha sido tomada.
Ainda em janeiro de 2018, a DEPOL informou ao juízo das execuções penais e corregedoria de presídios a ausência de condições para manutenção de presos no local. Já ofício encaminhado pela Delegacia Territorial de Polícia de Jequié em março deste ano demonstra que os problemas da carceragem vem de longa data e há omissão estatal na resolução da questão.
Além da urgente interdição, justificada pela flagrante situação em andamento e com possibilidades de causar danos irreparáveis à vida das pessoas, a ACP solicita também que no prazo de 180 dias sejam realizadas obras especializadas para reforma e ampliação da carceragem da DEPOL de Jequié. Assim, deve ser oferecido um espaço capaz de cumprir com todas as normas que estabelecem a legislação, bem como aspectos sanitários de salubridade, higiene, iluminação, entre outros, garantindo aos presos o fundamental direito à dignidade.
Como faz apontar o texto da ACP, diversos marcos legais estabelecem a necessidade de que os presos tenham assegurados ambientes salubres. Entre eles está a própria Constituição do Estado da Bahia que no seu 4° artigo prevê: “aos detidos, presos e condenados, ficam preservados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei, devendo ser alojados em estabelecimentos dotados de instalações salubres, adequadas e que resguardem sua privacidade”.